Tragédia de Alagoas acende alerta para exploração de sal-gema no Espírito Santo
Ei, você tem ouvido falar na mineração de sal-gema, e danos que ela pode causar. Mas você sabe o que é? O sal-gema é uma substância encontrada em jazidas subterrâneas formadas há milhares de anos, em áreas costeiras antigas. As jazidas são depósitos naturais de minérios ou fósseis e podem existir em afloramento ou no subsolo. Quando uma jazida é explorada, estamos na presença de uma mina ou uma pedreira. Mas voltando à sal-gema, é importante dizer que ela não é o sal que você usa de tempero no seu dia a dia. O sal usado como tempero geralmente vem do mar e surge a partir da evaporação da água represada. Já o sal-gema surge da evaporação natural de partes do oceano, e é utilizado na fabricação de cloro, soda cáustica, ácido clorídrico, bicarbonato de sódio, nas indústrias de papel, celulose e vidro, em produtos de higiene, e material PVC. Para extraí-lo, é feito um poço no qual se injeta água até que o sal seja dissolvido e crie-se a salmoura, que passa a ocupar o espaço do sal. A água inserida força o excesso de salmoura a subir à superfície, onde o sal-gema é extraído.
A tragédia em Alagoas
Em novembro de 2023, a situação de colapso das minas de exploração de sal-gema da empresa Braskem, com risco de afundamento de solo na região da Lagoa Mundaú, em Maceió, se tornou destaque no noticiário e nas redes sociais em âmbito nacional e internacional. Com a descoberta de grandes quantidades de sal-gema nos subsolos da cidade, nos anos 1970, a mineradora Braskem passou a cavar minas na região. Em 2018, cavernas abertas pela extração começaram a ser fechadas quando 5 bairros em Maceió começaram a afundar. O agravamento do colapso no solo já deixou mais de 60 mil pessoas desabrigadas.
A capital alagoana enfrenta as consequências da irresponsabilidade das corporações e omissão do Estado. A ação da Braskem se configura como o maior crime socioambiental em área urbana em andamento relacionado à mineração, ocasionando também perdas emocionais, desestruturação comunitária e negligência com o patrimônio histórico e cultural dos bairros. Conhecida internacionalmente pelas belezas naturais das praias, curiosamente, Maceió não teve a parte turística (e elitizada) afetada, mas os bairros distantes das orlas marítima e lagunar levou e leva milhares de pessoas a sair, e deixar os bairros com cenários de filme de guerra, ou fantasmagóricos na capital de Alagoas.
Racismo Ambiental
Cabe destacar que as populações indígena, negra, quilombola e ribeirinha (pescadoras e pescadores, marisqueiras e marisqueiros) são as que mais sofrem com as consequências da exploração irracional e irresponsável dos recursos naturais, já que em sua maioria são as que residem nessas áreas onde se instauram estrategicamente as grandes mineradoras. Será que estamos falando de racismo ambiental? O racismo ambiental é a discriminação e injustiça ambiental que afeta desproporcionalmente comunidades e povos tradicionais. Isso se manifesta quando esses grupos enfrentam impactos ambientais adversos, como poluição, exposição a substâncias tóxicas ou desastres naturais, devido à sua origem étnica ou racial, resultando em disparidades no acesso a recursos ambientais seguros e saudáveis. Então o que pensar desse caso, será que pode ser racismo ambiental? Fica para reflexão.
O caso Braskem continua correndo em Alagoas com alguns privilégios pela mineradora que continua com suas atividades mesmo frente aos danos causados. Este é mais um caso em que a mineração afeta milhares de pessoas e caminha para a impunidade. Esse caso também acende alerta para o Espírito Santo, que possui as maiores reservas de sal-gema na América Latina, e em que a extração ainda não tem casos com licenciamento ambiental.
A maior jazida de sal-gema da América Latina é localizada no Espírito Santo
Com grande parte do litoral sudestino, o Espírito Santo possui histórico de interferências de grandes empreendimentos em seu território. Desde a extração de petróleo, no fim dos anos 1960; o cultivo da monocultura de eucalipto da Suzano, a partir da década de 1970; e desde 2015, com a chegada da lama de rejeitos de minério da barragem de Fundão, em Minas Gerais, que contaminou o Rio Doce e litoral do estado. É nesse cenário que a extração de sal-gema, descoberto em 1970 junto com o petróleo, se torna mais um perigo de grande impacto socioambiental.
São diversas áreas de sal-gema espalhadas pela região norte do Espírito Santo, contando com a maior jazida do mineral da América Latina, com aproximadamente 12 bilhões de toneladas, o que corresponde a 70% da reserva nacional. Em 2021, 11 áreas de sal-gema foram arrematadas por quatro empresas em um leilão da Agência Nacional de Mineração (ANM), por aproximadamente R$ 170 milhões. Posteriormente, três dessas áreas foram alvo de ação do Ministério Público Federal (MPF), que solicitou a exclusão do leilão por interferência em territórios de comunidades quilombolas. Além disso, de acordo com levantamento da Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales), as áreas de exploração passam sobre unidades de conservação, como a Área de Proteção Ambiental (APA) de Conceição da Barra, que atinge o Parque Estadual de Itaúnas, e o Parque Natural Municipal de Conceição da Barra.
E você também sabia que maior parte dessa jazida se encontra nos territórios tradicionais? Parte desse minério está debaixo dos pés do maior coletivo quilombola do estado, a região do Sapê do Norte, no município de Conceição da Barra. O povo quilombola do Sapê do Norte é vítima de uma sucessão de violações de direitos e luta contra o projeto colonialista que invade seus territórios há décadas para produção de eucalipto, álcool, petróleo, entre outros projetos de exploração desenfreada que fere o direito dos povos e da natureza. O Espírito Santo corre o risco de colocar sua população em perigo com esse modelo de exploração de sal-gema. As comunidades tradicionais têm direito ao Protocolo de Consulta Prévia, Livre e Informada sobre o projeto de exploração do sal-gema, a fim de evitar mais uma tragédia como a ocorrida no Nordeste brasileiro.
Coletivo de Comunicação da Assessoria Técnica dos Atingidos e Atingidas por rompimento de barragem no Espírito Santo – Adai
Com informações de:
Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração;
Instituto Identidades do Brasil;
Jornal A Gazeta – ES;
Jornal O Eco;
Jornal O Globo;
e Página Geogracia.