Indenizações individuais, extinção da Fundação Renova e do CIF: governo federal apresenta o estágio atual da Repactuação do Acordo de Mariana
Reunião contou com a participação de pessoas atingidas, movimentos sociais e Assessorias Técnicas Independentes
Foto: Graccho/SGPR
Texto: Salmom Lucas
Depois de quase 9 anos do rompimento da barragem de Fundão, uma nova fase do processo de reparação integral em razão dos danos provocados pelo desastre-crime teve início na última sexta-feira (18), com a apresentação inédita dos termos já definidos para a repactuação que vem sendo negociada a quase 2 anos sem a participação das pessoas atingidas. Em reunião convocada pelo governo federal, por meio da Secretaria-Geral da Presidência da República, pessoas atingidas, movimentos sociais e Assessorias Técnicas Independentes estiveram em Belo Horizonte (MG) para ouvir, opinar, questionar e cobrar sobre as tratativas dos termos apresentados.
O encontro, realizado em ambiente restrito e com a proibição do uso de celulares, foi conduzido pelos ministros Jorge Messias, advogado-geral da União, Márcio Costa Macedo, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Junior Fidelis, adjunto do advogado-geral da União e Kelli Mafort, secretária executiva da Secretaria-Geral da Presidência. As autoridades explicaram que a reunião tinha como objetivo prestar contas às pessoas atingidas sobre o estágio atual do novo acordo de repactuação.
Entre as propostas apresentadas, as que geraram mais questionamentos foram o pagamento de indenizações individuais por meio do do Sistema Indenizatório Final e Definitivo (PID), com valores que variam entre R$ 30 mil para atingidos em geral e R$ 95 mil para agricultores e pescadores, além da extinção da Fundação Renova e do atual modelo de governança, que serão explicadas ao longo da matéria.
“Essa reunião, no meu entender, busca corrigir um dos principais problemas da repactuação, que é a ausência dos atingidos nas discussões. Essa é uma reivindicação de vocês que perpassou por todo esse período e não foi atendida. Vamos agora fazer um diálogo direto, franco, apresentar o que temos já construído. Receber de vocês suas impressões a partir desse nosso relato, para que possamos fazer as calibragens que serão necessárias e que ainda são possíveis no estágio atual das negociações”, explicou Junior Fidelis, que destacou ter havido esforços por parte do governo federal para garantir a participação dos atingidos, mas que o Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) não atendeu aos pedidos.
Em seguida, Jorge Messias apresentou o estágio atual de ações já estabelecidas durante a negociação da repactuação, que, há 1 ano e 10 meses, envolve diálogos com o TRF-6 e representantes do poder público, como a AGU, os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, Ministérios Públicos, Defensorias Públicas, além das empresas Vale e BHP.
Messias explicou que o processo de repactuação não começou no atual governo, mas foi herdado da gestão anterior. Segundo o advogado-geral da União, o acordo original não atendia adequadamente as vítimas e negligenciava áreas críticas, como o meio ambiente, saúde e a retomada econômica da Bacia Rio Doce. Além disso, a Fundação Renova, responsável pela execução, descumpriu deliberações do Comitê Interfederativo (CIF), com falhas em suas responsabilidades, enquanto o judiciário foi lento em atender as demandas das comunidades atingidas.
A nova proposta de repactuação envolve a conversão de parte das obrigações de fazer das empresas ligadas à recuperação socioambiental em pagamentos diretos aos estados e à União para garantir a reparação por meio de políticas públicas. De acordo com Jorge Messias, o processo contou com a participação de 13 ministérios e quatro autarquias, para garantir que as decisões fossem amplamente discutidas e voltadas para a promoção da justiça social, ambiental e econômica.
Responsabilidades que continuam com as empresas
Na negociação, ficou acordado que algumas obrigações continuarão sob responsabilidade das empresas mineradoras, sem transferência das mesmas para o poder público. As principais obrigações de fazer que permanecem são:
- Finalizar o reassentamento de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo;
- Retirada de até 9 milhões de m³ de rejeito no reservatório UHE Risoleta Neves (licenciamento ambiental será feito pelo Ibama);
- Recuperação de 54 mil hectares de floresta nativa na Bacia do Rio Doce;
- Recuperação de 5 mil nascentes na Bacia do Rio Doce;
- Realizar o Gerenciamento das Áreas Contaminadas (GAC);
- Implantação do Sistema Indenizatório Final e Definitivo (PID) para alcançar os atingidos que não conseguiram comprovar documentalmente os danos sofridos, o qual contemplará:
- Pagamento de R$ 30 mil aos atingidos em geral e 95 mil aos pescadores e agricultores (Público estimado de 300 mil pessoas que terão direito a receber esses valores);
- 10 bilhões previstos para a realização dos pagamentos, a serem operacionalizados pelas empresas;
- Pagamento de R$ 13 mil pelo dano água.
Junior Fidelis destacou que o tema das indenizações individuais foi um dos mais discutidos durante as negociações O adjunto da AGU esclareceu que o novo acordo não encerra o direito às indenizações individuais, mas abre uma nova possibilidade de reparação para aqueles que não conseguiram comprovar os danos sofridos nos programas anteriores, como o PIM e o Novel, considerados insuficientes.
Essa nova modalidade de indenização é chamada de “porta de reparação residual”, A condição é que o atingido tenha buscado reparação nos processos anteriores, seja junto à Fundação Renova, seja por meio de uma ação judicial que não foi atendida por falta de comprovação de danos. Quem se enquadrar nessa situação terá direito a receber R$ 30 mil e, no caso de agricultores e pescadores, o valor será de R$ 95 mil.
Fidelis ainda ressaltou que aqueles que possuem provas e já têm ações em andamento podem continuar com seus processos judiciais, pois a decisão de seguir com essas ações é individual.
Em relação à retirada de rejeitos do Rio Doce, é uma das questões mais complexas e controversas em discussão, afirmou Junior Fidelis, ao explicar que existem especialistas que acreditam que a remoção dos rejeitos poderia causar mais danos do que deixá-los onde estão, especialmente na área de Candonga. Por outro lado, outro grupo de técnicos defende que, sem a retirada desses rejeitos, a descontaminação do rio não será possível.
Como solução, as empresas envolvidas se comprometeram a remover até 9 milhões de metros cúbicos de rejeitos de Candonga, conforme indicado por um dos estudos realizados. No entanto, a quantidade exata a ser retirada e a execução desse trabalho dependerão do licenciamento ambiental, que será conduzido pelo Ibama. Esse processo levará em conta os impactos ambientais da retirada e a logística de depósito do material.
Fidelis destacou que os atingidos poderão participar desse processo de licenciamento. Caso o Ibama conclua que a remoção dos rejeitos é inviável, os recursos que seriam destinados a essa operação serão revertidos para um fundo ambiental e para o fundo pró-pesca.
Como o dinheiro será distribuído?
Segundo informações da apresentação feita pelo governo federal, o novo acordo de repactuação destina os recursos da seguinte forma:
- Diretamente aos atingidos: R$ 40,73 bilhões
- Recuperação ambiental: R$ 16,13 bilhões
- Projetos socioambientais (indiretamente aos atingidos e ao meio ambiente): R$ 17,85 bilhões
- Investimentos em saneamento e rodovias: R$ 15,60 bilhões
- Repasse aos municípios, incluindo adesão e Ação Civil Pública de Mariana: R$ 7,62 bilhões
- Gastos institucionais, transparência e outros: R$ 2,06 bilhões
Atingidos e recuperação econômica
R$ 4 bilhões para o Programa de Transferência de Renda (PTR), que fornecerá auxílio mensal a pescadores e agricultores atingidos por até quatro anos. O valor será de 1,5 salário mínimo (atualmente R$ 1.980) durante os primeiros três anos e de um salário mínimo no último ano. Os pagamentos serão feitos por meio do Cartão do Governo Federal, gerido pela Caixa Econômica. O Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) serão os responsáveis pela execução do PTR.
Além disso, serão destinados R$ 7,09 bilhões para Programas de Retomada Econômica (PRE), divididos em três eixos:
- Eixo Fomento Produtivo: Com R$ 2 bilhões, visa incentivar ações de reforço ao desenvolvimento social e econômico, por meio de ações dirigidas à promoção de negócios geradores de renda e empregos e à melhoria da qualidade de vida das populações atingidas, em especial aquelas em situações de vulnerabilidade social. A responsabilidade será do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).
- Eixo Rural: Com R$ 3 bilhões, é focado em revitalizar, reestruturar e impulsionar as atividades produtivas e ambientalmente sustentáveis dos agricultores familiares, produtores rurais, assentados da reforma agrária, quilombolas, silvicultores, extrativistas, incluindo outros povos e comunidades tradicionais. Será conduzido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
- Eixo Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação: Um investimento de R$ 2,9 bilhões será destinado à promoção de ações nessas áreas, sob a responsabilidade do Ministério de Minas e Energia (MME), Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e Ministério da Educação (MEC).
No âmbito da recuperação econômica, o novo acordo prevê a criação de um Fundo Popular da Bacia do Rio Doce, com R$ 5,12 bilhões destinados a projetos e programas de retomada econômica e produtiva, que serão definidos diretamente pelas comunidades atingidas, com base nas áreas que elas consideram prioritárias. O fundo será vinculado ao Conselho Federal de Participação Social da Bacia do Rio Doce e gerido pela Secretaria-Geral da Presidência da República (SGPR).
Além disso, o acordo inclui R$ 500 milhões para ressarcir a União pelos gastos extraordinários com a Previdência Social. O montante cobre ações acidentárias e garante a manutenção da condição de segurado especial para pescadores que não puderam pescar desde o rompimento da barragem até dois anos após a homologação do acordo. Cerca de 20 mil beneficiários serão contemplados e a gestão ficará a cargo do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), do Ministério da Previdência Social e do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Segundo Jorge Messias, “isso é muito importante, porque muitas pessoas, que são segurados especiais, enfrentaram disputas judiciais com o INSS para garantir esse reconhecimento, o que prejudicou muitas vidas. Agora, vamos reconhecer essa condição e as empresas irão indenizar em R$ 500 milhões.”
Junior Fidelis afirmou que a situação dos pescadores é um dos temas mais recorrentes da repactuação, apontado como uma grande injustiça: “Os pescadores, por não poderem exercer sua atividade, perderam o direito aos benefícios previdenciários, incluindo o status de segurado especial. Com o novo acordo, garantimos que a lista de pescadores de todos os municípios atingidos assegurará a manutenção dessa condição. Isso significa que os pescadores terão direito à aposentadoria, auxílio por incapacidade e auxílio-maternidade, com todos os benefícios previdenciários garantidos pelo INSS”.
O acordo também destina R$ 380 milhões para garantir a continuidade das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) por mais 30 meses após a assinatura da repactuação. A gestão desse recurso será responsabilidade da SGPR, do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater).
“Sei que alguns consideram o valor insuficiente, por isso já determinei ao Fidelis que busque aumentar esse montante para pelo menos R$ 500 milhões, de modo a melhorar o suporte técnico necessário”, explicou Jorge Messias.
Ainda sobre as ATIs, o deputado Rogério Correia, coordenador da Comissão Externa destinada a fiscalizar os rompimentos de barragens, em especial acompanhar a repactuação do acordo de Mariana e a reparação do crime de Brumadinho (CEXMABRU), aproveitou para enfatizar a importância das assessorias técnicas para as pessoas atingidas, ao lembrar que em Brumadinho houve falhas no cumprimento das medidas e que agora é preciso rediscutir e reorganizar os valores destinados às ATIs. “A ATI é fundamental para que os atingidos entendam o que será feito, esse é um ponto essencial”, ressaltou.
Fortalecimento do SUAS
R$ 640 milhões para fortalecer o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) nos municípios da Bacia do Rio Doce. Os recursos serão geridos pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), em parceria com os municípios.
Segundo Jorge Messias, muitos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e outras iniciativas de assistência social foram prejudicadas pelo rompimento. “Vamos reequipar essa rede de assistência, incluindo os CRAS e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), para melhorar o atendimento à população da Bacia do Rio Doce”, afirmou.
Mulheres atingidas
R$ 1 bilhão para o pagamento de auxílio financeiro às mulheres que sofreram discriminação de gênero durante o processo de reparação.
Durante a reunião, houve questionamentos sobre o uso desse recurso, se seria destinado a projetos ou ao pagamento de auxílio financeiro. A resposta de Jorge Messias foi que o montante será, de fato, destinado ao auxílio financeiro. “A ministra Aparecida Gonçalves (do Ministério das Mulheres), juntamente com o Ministério Público, a Defensoria Pública e o ministro Márcio Costa, irá concluir um projeto específico para alocar esse valor. Conseguimos o recurso, mas quem definirá como ele será aplicado são as mulheres da Bacia do Rio Doce”, explicou.
A gestão do auxílio ficará sob a responsabilidade dos Ministérios Públicos, Defensorias e do Ministério das Mulheres.
Indígenas, Povo e Comunidades Tradicionais
R$ 8 bilhões para a reparação das comunidades Indígenas, Povos e Comunidades Tradicionais (IPCTs) atingidos, a partir da adoção de um modelo de autogestão, acompanhado pela União. Esses recursos estarão disponíveis após a aceitação do modelo proposto, mediante consulta livre, prévia e informada com as comunidades.
O acordo também prevê o reconhecimento adicional de IPCTs atingidos. Além disso, será estruturado um fundo para implementação de políticas públicas, destinado tanto às comunidades reconhecidas quanto àquelas ainda não oficialmente reconhecidas.
A gestão desse processo ficará sob a responsabilidade do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Ministério da Igualdade Racial (MIR), Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Funai e Anater, com supervisão do Ministério Público Federal (MPF).
Uma das atingidas questionou como as comunidades terão acesso a esses recursos, já que o governo federal não reconhece a autodeclaração e a organização territorial de algumas delas. Em resposta, Jorge Messias respondeu: “Nos últimos 9 anos, o que mais vimos foram barreiras e entraves, criados para que as populações não tivessem acesso aos seus direitos. O que fizemos foi simplificar e facilitar esse acesso. As empresas, por meio da Fundação Renova, muitas vezes criavam obstáculos para pagar menos. Nossa preocupação, ao negociar esses R$ 8 bilhões, é garantir que o dinheiro chegue a quem realmente precisa”.
Meio Ambiente
R$ 8,13 bilhões para o Fundo Ambiental da União, que será utilizado em projetos de recuperação e compensação ambiental coordenados pelo governo federal. A gestão desses recursos ficará a cargo do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Ibama e ICMBio.
Além disso, R$ 6 bilhões serão destinados ao Fundo Ambiental dos Estados, com foco em projetos ambientais conduzidos pelos governos estaduais de Minas Gerais e Espírito Santo.
As empresas envolvidas continuarão responsáveis por algumas obrigações ambientais, mas os valores destinados ao Fundo Ambiental representam um investimento adicional para a execução de ações independentes. “Nós, como União, vamos operar esses recursos para realizar ações ambientais na região, enquanto as empresas também mantêm suas responsabilidades”, explicou Jorge Messias.
Pesca
Outra medida do novo acordo que é muito polêmica e foi duramente questionada pelas pessoas atingidas presentes na reunião foi a previsão da liberação gradual da pesca, atualmente suspensa por decisão judicial, à medida que forem elaborados planos de ordenamento da atividade pesqueira. Os planos devem ser desenvolvidos em até seis meses para a região do rio em Minas Gerais e em até 24 meses para a área costeira do Espírito Santo.
Além disso, haverá investimentos em Programas de Transferência de Renda (PTR) e Programas de Retomada Econômica (PRE), com foco na atividade pesqueira e no apoio aos pescadores, que terá como responsáveis o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e estados.
O acordo destina R$ 2,5 bilhões para o Plano de Reestruturação da Gestão da Pesca e Aquicultura (PROPESCA), que promoverá a modernização das cadeias produtivas da pesca e da aquicultura. A gestão será compartilhada entre o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) e os estados.
“Esse programa será utilizado em Minas Gerais e no Espírito Santo para investir na cadeia produtiva da pesca, como a aquisição de barcos e equipamentos. Aqueles que desejarem também poderão desenvolver atividades auxiliares, como a produção de pescado e o desenvolvimento da aquicultura”, explicou Jorge Messias.
Diante de questionamentos das pessoas atingidas sobre a inviabilidade do programa, considerando a contaminação do Rio Doce, Junior Fidelis explicou: “Conforme já mencionamos, as empresas têm a obrigação de retirar 9 milhões de metros cúbicos de rejeitos. Essa é uma medida fundamental, segundo nossos técnicos ambientais, para auxiliar na recuperação do rio, que será complementada por outras ações, como a recuperação de 5 mil nascentes, o reflorestamento de 54 mil hectares de florestas nativas e a universalização do saneamento na bacia. Nosso objetivo é trabalhar para que o Rio Doce recupere suas condições mínimas de qualidade e, assim, possamos restabelecer a qualidade de vida das pessoas.”
Meio Ambiente: Atingidos e Recuperação Econômica
R$ 17,85 bilhões para Projetos Socioambientais dos Estados – natureza mista – social, ambiental e de retomada econômica da Bacia do Rio Doce. Os Projetos deverão estar diretamente relacionados aos danos causados pelo rompimento da barragem e ter objetivos evidentes de recuperação da região. Até 20% dos recursos poderão ser aplicados fora da Bacia do Rio Doce.
Saúde
R$ 12 bilhões para investimentos na saúde coletiva da Bacia do Rio Doce. Desses, R$ 3,6 bilhões serão voltados à melhoria da infraestrutura e aquisição de equipamentos, enquanto R$ 8,4 bilhões serão alocados para a criação de um Fundo Perpétuo, cujos rendimentos serão usados para custeio adicional ao Sistema Único de Saúde (SUS) na região.
A gestão dos recursos será compartilhada entre a União e os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, com repasse de verbas aos municípios atingidos.
Durante a reunião, uma das atingidas questionou a falta de locais especializados no tratamento das vítimas pelo rompimento: “Onde iremos nos tratar? Não há nenhum lugar no Brasil que ofereça tratamento adequado para preservar nossas vidas. Onde buscaremos atendimento até que isso seja resolvido?”.
Em resposta, o advogado-geral da União, Jorge Messias, destacou que a ministra Nísia Trindade, do Ministério da Saúde, apresentou a demanda pela criação de um Centro de Referência na região. “Ela entende que o que aconteceu em Mariana deixou marcas na saúde coletiva das pessoas, com problemas que ainda podem aparecer. Não permitiremos a quitação de nenhuma responsabilidade no que se refere à saúde”, afirmou Messias.
Outro questionamento levantado foi sobre a quitação pelos danos da saúde. O adjunto do advogado-geral da União, Junior Fidelis, destacou que o novo acordo não extingue as responsabilidades das empresas em relação aos danos à saúde. “Não estamos concedendo quitação pelos danos à saúde. Estamos destinando R$ 12 bilhões para a saúde coletiva, mas, caso as medidas não sejam aceitas, retornaremos ao estágio anterior, no qual as empresas continuam com a obrigação de reparar esses danos”, afirmou.
Saneamento
Investimento de R$ 11 bilhões em saneamento básico para os municípios da Bacia do Rio Doce. O objetivo é acelerar as metas de universalização do saneamento, com redução de tarifas na Bacia do Rio Doce.
A gestão dos recursos será compartilhada entre a União, por meio do Ministério das Cidades e da Casa Civil da Presidência da República, e os governos dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo.
Fundo de Enchentes
R$ 2 bilhões para a criação de um fundo perpétuo de combate às enchentes. Os rendimentos desse fundo serão aplicados no enfrentamento das consequências das enchentes, com a gestão sob a responsabilidade dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo.
Rodovias
R$ 4,6 bilhões para rodovias federais na bacia, sendo R$ 2,3 bilhões para obras na BR-262 e R$ 2,3 bilhões na BR-356. A gestão desse recurso ficará a cargo do Ministério dos Transportes.
Repasse aos municípios
R$ 6,1 bilhões serão repassados a 49 municípios da calha do Rio Doce, de acordo com um índice definido pelo Consórcio dos Municípios – CORIDOCE, mediante adesão voluntária de cada município. Também foram destinados R$ 1,52 bilhão para encerrar a Ação Civil Pública de Mariana.
Fortalecimento institucional da Agência Nacional de Mineração (ANM)
Receberá um aporte de R$ 1 bilhão, que será utilizado para melhorar a capacidade de fiscalização de barragens. A gestão ficará sob responsabilidade do Ministério de Minas e Energia e da ANM.
Fundação Renova e CIF irão continuar?
Foi anunciada na reunião que no novo acordo a Fundação Renova será extinta, assim como o Comitê Interfederativo (CIF) e todo o atual modelo de Governança e Participação Social vigente do TAC-GOV. Após a assinatura da Repactuação, haverá uma fase de transição das obrigações da Fundação Renova que estão em andamento. Segundo Júnior Fidelis, o anexo da transição possui mais de 40 páginas, que embora os detalhes ainda não tenham sido divulgados, a premissa é que as obras já iniciadas e as ações em curso sejam concluídas. Para as que ainda não começaram, o poder público assumirá a responsabilidade por meio das novas políticas públicas apresentadas.
“Teremos um período de transição do atual modelo do CIF e da Fundação Renova para o novo modelo de reparação, com a execução sendo realizada pela União e pelos Estados. Com a extinção da Fundação Renova, o CIF e as Câmaras Técnicas também serão descontinuados”, explicou Fidelis.
Manifestação dos presentes
A atingida Lanla Maria Soares de Almeida, de Governador Valadares (MG), escolhida em votação como titular de Minas Geral para compor o CIF, expressou sua frustração com o processo de repactuação e destacou a falta de participação das pessoas atingidas ao longo dos últimos 9 anos. “Esta reunião para nós é apenas informativa. Ao longo desses anos, os atingidos tentaram participar da construção das soluções, mas não houve escuta nem participação social. O governo enviou alguns representantes para visitar os territórios e prometeram voltar para uma devolutiva e mais diálogo, mas isso nunca aconteceu”, disse.
Lanla relatou o impacto devastador do desastre em sua vida e em sua família, especialmente na pesca, fonte de sustento de gerações. “Somos pescadores. Meu pai, que nunca teve outra profissão, hoje está adoecido e não pode mais exercer suas atividades. O impacto psicológico de quem perdeu tudo nunca será recuperado. Meus netos não terão a infância que eu e meus filhos tivemos no Rio Doce. O rio talvez não seja tão importante para quem está em Brasília, mas para nós era tudo, inclusive nossa fonte de renda”, desabafou.
Thiago Alves, integrante da Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), também se manifestou, com críticas à falta de acesso integral à informação e a forma como o direito individual foi tratado. “Não há participação sem acesso total à informação e procedimentos claros. Discordamos da forma como foi calculada a indenização individual, que consideramos insuficiente. O valor deveria ser, no mínimo, a média do acordo do Novel, considerando ainda a matriz de danos da FGV e outras que já existem. Temos pontos da proposta que foi apresentada que são fruto da luta das pessoas atingidas nesses nove anos. Mas vemos alguns limites e isso mostra que a nossa luta não se encerra agora”, afirmou, reiterando que a luta popular irá continuar.
Joelma Fernandes, atingida do Território 4 (Governador Valadares e Alpercata), questionou a exclusão dos ilheiros e ilheiras no Eixo Rural, ao que Jorge Messias respondeu: “A senhora tem razão, vamos incluir, isso precisa ser corrigido.”
Valeriana Gomes, atingida de Naque (MG), manifestou sua frustração durante a reunião e criticou os valores propostos de indenização. “Há 9 anos, começamos a organizar nossa primeira comissão e estou profundamente decepcionada com a proposta dos R$ 30 mil. Eu tenho laudos, três funcionários e três filhos. Valeriana destacou que deseja ser indenizada com base nos laudos que comprovam os danos sofridos, não pelos R$ 30 mil informados. “Queremos que toda a bacia seja indenizada com base nos laudos, não por esse valor fixo. O governo prometeu muito a muitas pessoas, mas não está cumprindo”, declarou. Ela também fez um apelo por uma indenização justa para as mulheres atingidas.