Atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão entregam manifesto sobre a exclusão em acordo da repactuação para governo federal em Brasília
Entrega de Ofício ao governo federal e coletiva de imprensa marcam ações dos atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão contra o novo acordo de Repactuação do Caso Rio Doce
Na manhã desta sexta-feira (27), representantes das comunidades atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana/MG, tentaram entregar um manifesto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto. A tentativa aconteceu durante a posse da nova ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo. Os representantes esperavam apresentar propostas à repactuação do acordo de reparação do desastre-crime, alegando a importância da participação das pessoas atingidas nas negociações.
Embora não tenham conseguido entregar o manifesto diretamente a Lula, os (as) representantes da Articulação das Câmaras Regionais conseguiram apresentar o documento a assessores da presidência, além de outras autoridades presentes, incluindo a nova ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Deputadas do Estado de Minas Gerais, Leninha e Bela Gonçalves também receberam o documento, que contém propostas essenciais para o processo de repactuação.
O conteúdo do ofício apresenta seis principais reivindicações das populações atingidas, que envolvem desde a participação direta no processo de repactuação até a exigência de maior controle social sobre os recursos destinados à reparação dos danos causados pelo rompimento. As pessoas atingidas questionam a forma sigilosa como as negociações têm sido conduzidas, com ausência de consulta e participação direta dos 21 territórios atingidos nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo nas discussões sobre o novo acordo de reparação. Apesar do sigilo atribuído pelo TRF-6, a população atingida exige que seja efetivado o seu direito à participação, previsto tanto em leis, quanto nos acordos firmados no processo de reparação.
A Articulação das Câmaras Regionais, instância de representação das pessoas atingidas pelo desastre-crime definida nos acordos judiciais desde 2018, exige que os representantes eleitos no Encontro da Bacia do Rio Doce e Litoral Norte Capixaba, ocorrido nos dias 24 e 25 de agosto, em Belo Horizonte, tenham efetiva participação social nos processos que envolvem a reparação integral de seus territórios e portanto, sejam incluídos na mesa de negociações, conforme previsto no TAC-GOV (Termo de Ajustamento de Conduta da Governança).
Principais reivindicações expressas no ofício:
- Participação ativa dos atingidos na Mesa de Repactuação:
Os territórios atingidos solicitam que seus representantes eleitos no Encontro da Bacia do Rio Doce e Litoral Norte Capixaba sejam formalmente incluídos na mesa de negociações da repactuação. O pedido está alinhado ao que foi estabelecido pelo TAC-GOV (Termo de Ajustamento de Conduta da Governança), que prevê a participação dos atingidos nas decisões referentes à governança e reparação.
- Escuta ativa das comunidades atingidas:
As lideranças solicitam que o governo conduza um amplo processo de consulta e escuta das populações afetadas, abrangendo todas as regiões atingidas, de Minas Gerais ao Espírito Santo. Eles argumentam que sem essa escuta, a repactuação não deve ser assinada, pois não refletiria as reais necessidades e interesses das comunidades impactadas. As demandas já foram sistematizadas por Assessorias Técnicas Independentes, mas o processo de escuta ainda não foi implementado.
- Controle social sobre os recursos da repactuação:
O documento destaca a importância de garantir que os atingidos possam exercer o controle social sobre os recursos financeiros da repactuação. Eles exigem a criação de mecanismos que assegurem o acompanhamento, monitoramento e fiscalização da aplicação dos recursos, garantindo transparência e evitando desvios ou mau uso do dinheiro destinado à reparação.
- Legitimação das Comissões Locais:
Outro ponto levantado é a continuidade e a legitimidade das Comissões Locais, que atuam nas áreas impactadas. As comunidades pedem que essas comissões, já consolidadas e atuantes, sejam formalmente reconhecidas e incluídas na governança prevista no novo acordo, de modo a garantir sua participação ativa nos processos de fiscalização e gestão.
- Financiamento da participação das comissões:
O ofício também aborda a necessidade de garantir orçamento para que as comissões locais continuem desempenhando seu papel de forma autônoma e participativa. Os atingidos citam o atual “Orçamento Atingidos”, gerido pela FLACSO (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais), como um modelo a ser mantido, e pedem que o novo acordo inclua previsão de financiamento para a participação das comissões consolidadas.
- Limpeza completa do Rio Doce:
Um dos pontos mais urgentes apresentados no documento é a demanda pela limpeza completa do Rio Doce. Os atingidos apontam a gravidade das consequências ambientais ainda presentes na região e exigem ações efetivas e prioritárias para a despoluição do rio, que é uma das principais fontes de sustento, lazer e vida para as populações atingidas. Eles criticam a lentidão das medidas até então adotadas e cobram uma solução definitiva.
Falta de transparência no novo acordo e celeridade sem participação
O documento entregue às autoridades ressalta a preocupação das pessoas atingidas com a falta de transparência e participação nas negociações do novo acordo de repactuação. Para os (as) atingidos(as), a ausência de uma escuta qualificada e a exclusão dos representantes eleitos inviabilizam qualquer acordo que seja considerado legítimo e justo. As demandas vão desde a inclusão de representantes na Mesa de Repactuação até o acompanhamento, transparência e controle social da aplicação dos recursos.
Previsto para ser assinado em outubro, as negociações da repactuação seguem a portas fechadas e demonstram que as discussões estão sendo priorizadas. No dia 11 de setembro as Instituições de Justiça, governos estaduais e federal e as mineradoras rés no processo judicial (Samarco, Vale e BHP Billiton) solicitaram a suspensão por um mês dos processos judiciais do caso Rio Doce em atendimento à recomendação do Desembargador Dr. Ricardo Rabelo, que coordena a mesa de repactuação. No dia 18 do mesmo mês, o juiz Dr. Vinicius Cobucci, da 4ª Vara Cível e Agrária de Belo Horizonte, acatou parcialmente os pedidos, com a justificativa da complexidade da situação e o momento de cada uma das ações.
As empresas rés agravaram a decisão, mas a desembargadora Mônica Sifuentes, manteve a decisão de primeira instância. Logo, neste momento, seguem suspensas as duas Ações Civis Públicas: a Ação Civil Pública de R$ 155 bilhões, protocolada em 2016 pelo Ministério Público Federal (MPF), após o TTAC, sob a justificativa de que as tratativas feitas pelo poder público com as empresas não tiveram a participação do MPF e da sociedade atingida e a Ação Civil Pública das Mulheres, na qual as Instituições de Justiça apontam a responsabilidade da Fundação Renova, Samarco, Vale e BHP Billiton pelos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão às mulheres atingidas da Bacia do Rio Doce e Litoral Norte Capixaba.
Coletiva de imprensa aborda exclusão dos atingidos nas negociações
Ainda durante a sexta-feira, os representantes das comunidades atingidas realizaram uma coletiva de imprensa no Hotel San Marco, em Brasília, para expor suas preocupações sobre a falta de participação nas negociações. A coletiva ocorreu em paralelo à primeira reunião do Comitê Interfederativo (CIF) após o Encontro de Atingidos e Atingidas da Bacia do Rio Doce e Litoral Norte Capixaba, onde foram eleitos 72 representantes para as instâncias de governança da Fundação Renova.
“Estamos aqui fazendo um apelo ao Presidente Lula, que todo o recurso destinado à União, Estados e municípios deve ser garantido o controle social aos atingidos. Que seja garantido acompanhamento, monitoramento, validação e fiscalização dos recursos destinados aos nossos territórios”, reforça a atingida Varner de Santana Moura, de Marilândia-ES.
Durante a coletiva, as representantes reiteraram suas exigências pela inclusão efetiva no processo de repactuação, bem como o respeito às necessidades das comunidades que há quase nove anos convivem com as consequências do rompimento da barragem de Fundão. As lideranças também destacaram a importância do financiamento adequado para garantir a participação das Comissões Locais Territoriais em qualquer que seja a nova governança e participação social que pode ser apresentada no acordo da repactuação, assim como a urgência de ações para a limpeza total do Rio Doce.
As preocupações entre os atingidos são ainda que os danos que não foram levantados nos territórios não sejam considerados na reparação. A ausência de consulta às comunidades atingidas tem sido um dos pontos mais criticados, já que os atingidos defendem que o acordo só deve ser firmado após uma ampla escuta dos territórios ao longo da Bacia do Rio Doce e Litoral Norte Capixaba.
Já a atingida Joelma Fernandes, ilheira e agricultora, de Governador Valadares-MG, traz a importância do rio Doce para o sustento das famílias atingidas. “O nosso rio Doce nos dá o direito de futuras gerações, sejam elas pescadores, ribeirinhos e outros que dependem dele. E nós queremos o rio limpo e com o direito à produção saudável, pois lá (em Governador Valadares) a gente produz produtos de qualidade para as merendas escolares”, pontua Joelma.
A coletiva evidenciou as contradições que envolvem as negociações deste acordo e reforça a necessidade de uma maior transparência no processo de reparação, visando garantir os direitos das populações atingidas de Minas Gerais ao Espírito Santo.
Trasmissões da 79ª Reunião Ordinária do CIF, ocorrida nos dias 26 e 27/09 em Brasília – DF