Memória Flavia


Flávia, presente! familiares, amigos, professores e organizações populares pedem justiça.

 

Na tarde da última quinta-feira (25), data que marcou os seis meses desde o atentado às escolas em Aracruz, no Espírito Santo, que vitimou fatalmente quatro pessoas e feriu outras 13, familiares, amigos, professores e organizações populares, prestaram homenagens e cobraram justiça para Flávia Amboss. Flávia era professora, pesquisadora acadêmica e militante popular pelos direitos humanos dos atingidos e atingidas por barragens do Rio Doce, e foi assassinada no ataque à escola Primo Bitti, onde lecionava. O encontro foi organizado pelo Centro de Ciências Humanas e Naturais, pelo Departamento de Ciências Sociais e pelo Centro Acadêmico de Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), e realizado na própria universidade.

 

Aline Trigueiro, que foi professora e orientadora de Flávia no Grupo de Estudos em Populações Pesqueiras e Desenvolvimento, do Departamento de Ciências Sociais da UFES, destacou a importância da realização do ato. “Vejo esta homenagem da UFES como um marco simbólico de luta pela vida, contra a violência e o fascismo; um ato em prol do reconhecimento da trajetória da Flávia e da sua memória. Mas penso também como um momento de engajamento da própria universidade na luta por justiça. Falar o nome FLÁVIA dentro do espaço acadêmico que ela tanto amava, e evocar a absurda violência que ela sofreu (discutindo os perigos do fascismo em nossa sociedade), faz deste ato algo mais forte. Penso que nos coloca na obrigação política e moral como pessoas, professores e professoras, cientistas sociais, militantes, de cobrar respostas e ações sobre os rumos do julgamento do crime, mas também nos coloca a pensar (ainda que para alguns pareça estar fora de moda) em que sociedade queremos viver e como vamos nos comprometer com essa escolha para além das nossas agendas e interesses individuais”.

 

Tragetória acadêmica e Militânte na UFES

 

O nome e a trajetória de Flávia Amboss serão sempre lembrados pelos corredores da UFES, tanto entre os professores como pelos alunos. Flávia, que ajudou a construir o Centro Acadêmico das Ciências Sociais da universidade em 2004, hoje é inspiração para os estudantes. Para Mateus Barreto, se hoje o CA é um espaço para o pensamento crítico e movimento, é porque um dia ela esteve lá. “Hoje a gente colhe os frutos do que ela deixou aqui e esse exercício da memória é para que a gente não se esqueça de que a gente se movimenta e se articula porque ela esteve aqui”.

 

A professora Aline, que apresentou um pouco da trajetória acadêmica de Flávia, falou de seus projetos e do seu engajamento dentro da universidade. E destacou o quanto Flávia era sensível, possuidora de um olhar crítico em relação às contradições à sua volta. “Ela [Flávia] era muito engajada em pensar a própria sociedade capixaba, pensando a questão ambiental no seu recorte social. Sempre atenta às contradições, às tensões, e às relações de poder entre grupos distintos, mas com interesses em áreas comuns. Apontava a necessidade de pensar a ecologia política. Perdemos uma pessoa de grande sabedoria”.

 

No Movimento dos Atingidos e Atingidas por Barragens – MAB

 

Juliana Nicoli, militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), companheira de lutas e amiga de Flávia, falou um pouco da história junto ao MAB. Flávia, que era moradora de Regência à época do rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, em 2015, logo se preparou e se mobilizou junto à sua comunidade para denunciar a chegada da lama. Logo que o MAB chegou se uniu ao movimento. Começou a se mobilizar, direcionou seus estudos para entender os impactos dos rejeitos nas comunidades atingidas. Se dedicou a conhecer de perto essas comunidades, essas pessoas e famílias que se tornaram seus companheiros e amigos nas lutas ao longo de sete anos.

 

“Por onde a Flávia passou, deixou uma marca de luta e também uma marca de muito carinho e muito amor. Era uma pessoa muito querida dentro do nosso movimento. E dentro das nossas lutas, uma conquista recente é a contratação da assessoria técnica dos atingidos e atingidas, que já está em campo. Teve a mão da Flávia nessa conquista. A gente não tem dúvidas que se ela estivesse aqui hoje, poderia coordenar qualquer área temática na assessoria e ajudar na formulação e construção das políticas públicas que a gente precisa para atender às demandas dos povos atingidos”, afirmou Juliana.

 

O fascismo na sociedade e a reflexão sobre a escalada da violência

 

Por quê Flávia foi vítima de um atentado fascista em pleno 2023?

Por quê mulheres professoras foram vítimas de atentado fascista?

Por quê uma escola foi vítima de atentado fascista?

Como é possível evitar que novos atentados aconteçam e o que vem sendo feito pelo Estado?

Durante toda a tarde, entre homenagens e muita emoção, um tema levantado e debatido foi o crescente fascismo em nossa sociedade. A mesa Meios para combater o neofascismo: Por uma educação em prol da vida, com coordenação da professora Márcia Barros, do Centro de Ciências Sociais, e participação da professora Edite Maria Rosa, diretora do Centro de Ciências Humanas e Naturais da UFES, da psicanalista Lohaine Jardim e do Prof. Maurício Abdala, do Departamento de Filosofia da UFES, falou da conjuntura atual no Brasil e no Espírito Santo.

 

Para o professor Maurício Abdala, do Departamento de Filosofia da UFES, o ponto mais crítico – e triste – é que este não é um caso isolado. “Nós não estamos falando de uma pessoa que morreu por acidente, ou caso isolado, o fenômeno que nós estamos relembrando, que se repetiu em outros lugares, essa é a grande dor que nós temos também, é um fenômeno que é uma revelação, um aparecimento de um conjunto de causas complexas. E dizer causas complexas é diferente de coisa complicada. Quando se fala em casos complexos significa que essa totalidade é composta de várias causas que interagem de maneira sistêmica e essa interação tem como resultado casos como esse e outros casos. Por isso que não é um caso isolado. Ele é produto de um conjunto de coisas e que se apresenta em diversas manifestações”. As questões levantadas pelo professor fazem refletir mas ainda carecem de respostas concretas do Estado. Quais seriam as políticas públicas para efetivamente barrar a estrutura fascista na sociedade?

 

Saudade

 

A homenagem chegou ao fim com a fala de João Paulo Liryo, companheiro de Flávia e militante do MAB, seguido da fala de Grayce Lourdes Amboss, mãe dela.

 

Os dois agradeceram a oportunidade de estarem juntos memorando a trajetória acadêmica, de luta e da pessoa incrível que eles tanto amam. E por estarem todos levantando essa pauta, pra não deixar morrer também a busca por justiça.

 

Grayce fez agradecimentos e falou da falta que sente da filha. “Estamos sendo violentados diariamente pela saudade dela, pela ausência dela e por saber que uma pessoa como a que vocês viram aqui – e não fomos nós que falamos dela, mas vocês que trouxeram os depoimentos – esse ser de luz que veio pra esse mundo e combatia a violência como nunca, e foi vítima da própria violência que ela combatia”.

 

E encerrou a tarde convocando os presentes para a luta, assim como Flávia fazia. “Ela não teve medo e não cedeu nesse governo fascista que estava aí e só pregou o ódio. É muito doído hoje estarmos aqui fazendo essa homenagem a ela. Mas ela foi muito grande, ela colocou a vida dela pra combater esse governo fascista. Que nós também tenhamos coragem. A gente não pode se calar e por Flávia eu vou até onde precisar ir. E é isso, tenho muito orgulho, sempre tive um orgulho imenso desse ser de luz que o universo utilizou o meu corpo pra trazer. Agradeço imensamente e agradeço a todos que estão aqui. Que esse dia seja um dia de luta pra nós e de esperança”.

 

O Rio Doce e a Assessoria técnica dos Atingidos e Atingidas

 

A luta pelo direito à assessoria técnica dos atingidos e atingidas no Espírito Santo foi parte da vida de Flávia, como bem lembrou Juliana. Enquanto viveu, Flávia respirou sonhos por uma reparação justa e integral e plantou no solo espiritossantense a pauta por justiça social.

 

O caso do Rio Doce, de Flávia e das demais vítimas do fascismo em Aracruz têm algo em comum: todos clamam por justiça!

 

Produção equipe e foto: Equipe de comunicação ATI da Adai no Espírito Santo