6ª Romaria das Aguas e da terra 2023, regeência


Um ato de fé, luta e resistência marcado por denúncia dos inúmeros danos sofridos com a lama da Barragem de Fundão em 2015 e busca pela reparação. 

 

O sol ainda estava tímido, após uma noite de chuva, na manhã deste domingo (18), quando os atingidos e atingidas do Espírito Santo (ES) e Minas Gerais (MG) começaram a chegar na Vila de Regência, no litoral de Linhares (ES), para participar da 6ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce. É a primeira vez que a Romaria, organizada pela Diocese de Colatina, é realizada no estado. O evento reuniu aproximadamente 4 mil pessoas, de acordo com os organizadores. 

O momento em Regência é também a celebração de toda uma sequência de atividades, que começou com seminários temáticos nas cidades de Baixo Guandu, Colatina e Linhares entre os meses de maio e junho. Esses encontros, que contaram com a participação de atingidos e atingidas, bem como da assessoria técnica dos atingidos e atingidas da Adai, fizeram memória ao rompimento da barragem e levantaram mais uma vez a necessidade de regeneração social e ambiental em toda a extensão da Bacia do Rio Doce. 

Foram acolhidas pessoas vindas de muitos lugares. Maria da Glória Bueckur, moradora de Regência há 20 anos, expressou sua gratidão pela realização da Romaria e afirmou que “a vila estava precisando de um momento como esse para trazer esperança e alento às vidas dos regencianos”. 

Após acolhida os romeiros saíram da igreja de São Benedito, na praça central da vila, em direção à praia. Durante todo o trajeto, foram feitas orações, proferidas palavras de ordem e evocadas lembranças de pessoas que fazem parte da luta pela reparação integral, bem como dos mártires da causa e dos problemas que assolam os atingidos e atingidas. Foi um momento de união de forças entre os atingidos e atingidas, sociedade civil, comunidades e povos tradicionais e igreja católica por justiça social, e clamor pela reparação. 

Com o tema “Bacia do Rio Doce, nossa casa comum”, a Romaria fortalece o clamor dos atingidos e atingidas que vivem ao longo da bacia do Rio Doce, em defesa da “Casa Comum” e da regeneração do rio. O desastre sociotecnológico, que atingiu o Rio Doce, vitimou 19 pessoas, deixou um rastro de destruição social e ambiental ao longo de quase 600 km, desde Minas Gerais até o Espírito Santo. As proporções desse desastre ainda não foram totalmente mensuradas, mesmo quase oito anos após a tragédia.  

De acordo com João Paulo Izoton, sociólogo e atuante no Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), a decisão de fazer a romaria por parte da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Diocese de Colatina e Arquidiocese de Vitória, vai de acordo com a luta dos atingidos. “Águas para vida, água e energia com soberania, distribuição da riqueza e controle popular, dizem respeito ao mesmo assunto da Romaria da Terra e das Águas. E ter escolhido o Rio Doce foi acertado pois é o palco do maior crime contra nossa casa comum que já aconteceu no Brasil, que contaminou a água, um bem tão precioso e que todos dependemos.  Para nós foi um momento de muita felicidade participar com tantas pessoas gritando em uma voz só voz pelo respeito da casa comum e justiça pelos crimes cometidos, principalmente ao Rio Doce e os atingidos e atingidas”, concluiu.  

A Romaria foi encerrada com uma missa presidida pelo Bispo de Colatina, Dom Lauro Sérgio Versiani Barbosa, que fez uma analogia à história de Caboclo Bernardo que salvou os homens do naufrágio, no mar de Regência e pediu um farol como recompensa. “Que a nossa romaria e as pautas debatidas durante a sua programação sejam um farol para que outras pessoas não passem pelo que as pessoas que vivem em cidades banhadas pelo Rio Doce estão sofrendo”, enfatizou   

Em memória da luta do povo foi fixado uma cruz de madeira na praia, que foi carregada por atingidos e atingidas durante todo trajeto da romaria em memória às lutas do povo. O cruzeiro receberá uma placa explicativa e ficará em exposição permanente.  

É direito dos povos atingidos serem reparados pelos danos sofridos pelo rompimento da Barragem de Fundão em 2015.  É direito da mãe terra, enquanto casa comum, continuar existindo e sendo biodiversidade, e a romaria da realizada nesse território marca esse direito. Como bem ecoou pelas ruas da vila, nos gritos de ordem de atingidos e atingidas durante a caminhada: “Águas para a vida e não para a morte!” e “Do rio ao mar não vão nos calar!”. 

 

Texto e imagem: Coletivo de Comunicação da Assessoria dos Atingidos e Atingidas da Adai