Com o rompimento da Barragem de Fundão (Mariana – MG), em 2015, foram liberados água, rejeitos, material de construção de barragens e detritos para as águas da Bacia do Rio Doce e o oceano. Em 2016, a Justiça Federal do Espírito Santo proibiu a pesca na área litorânea atingida (da Barra do Riacho, em Aracruz até a Praia de Degredo, em Linhares). Em 2019, a Agência Sanitária Brasileira (Anvisa), publicou um estudo de risco para o consumo de pescado que recomendou limites diários de consumo de peixe nas áreas da bacia do Rio Doce. 

Passados 8 anos do rompimento, como fica a qualidade dos alimentos que dependem do Rio Doce e do mar? As plantações, frutas, legumes, animais e pescados foram afetados pelo rejeito da lama? A preocupação com a qualidade dos alimentos (colhidos e pescados) é, ainda, um tema urgente do povo atingido que segue em estado de insegurança dos alimentos produzidos ao longo da bacia e litoral capixaba. 

No final de 2023, foram publicados artigos e estudos sobre contaminações de metais pesados em alimentos e animais que dependem do Rio Doce. Equipes técnicas da Assessoria dos Atingidos e Atingidas do Espírito Santo – Adai produziram relatórios sobre tais estudos, de modo a tornar tais informações mais acessíveis à população sobre os níveis de contaminação e os riscos que representam para a saúde. 

1. ESTUDO DE CONTAMINAÇÃO DE ALIMENTOS NA BACIA DO RIO DOCE 

No final de 2023, a Aecom, empresa que atua como perita judicial do caso Samarco/Vale-BHP, apresentou os Relatórios números 58 e 59, que tratam sobre a análise de produtos agropecuários irrigados com a água do Rio Doce.

Entre março de 2022 e outubro de 2023, foram realizadas coletas de materiais nas margens dos rios nas regiões do Médio (MG) e Baixo Rio Doce (ES), como também em municípios afastados do Rio Doce, para efeitos de comparação. O objetivo é avaliar a segurança de itens alimentícios em diferentes grupos etários de homens e mulheres. 

Os relatórios afirmam se tratar do “primeiro estudo completo de Segurança do Alimento na área atingida pelo rompimento da barragem de Fundão”. Mostram um diagnóstico dos municípios que utilizam a água dos rios atingidos no desenvolvimento das atividades agropecuárias a partir da irrigação das lavouras, como hortaliças, pomares, entre outros, na criação e fornecimento de água de beber aos animais. 

Tipos de substâncias químicas analisadas: 

Tipo 1: substâncias químicas ligadas ao rejeito armazenado na barragem de Fundão; 

Tipo 2: substâncias originadas do Tipo 1; 

Tipo 3: substâncias químicas encontradas no rejeito de Fundão e utilizadas no tratamento do minério de ferro da Samarco; 

Tipo 4: substâncias químicas que podem aparecer novamente com a passagem da onda de rejeitos, ou durante as cheias nas estações chuvosas, que levam fundo do rio para cima. 

Grupos de alimentos analisados: 

As substâncias químicas presentes nos produtos agropecuários são: 

Frutas: bário, chumbo, cianeto, magnésio, manganês, metilmercúrio e potássio;  

Legumes: chumbo;  

Raízes e tubérculos: chumbo e cromo VI;  

Grãos: bário, boro, chumbo, cianeto, cobre, magnésio, manganês, níquel, potássio, titânio e zinco;  

Leite: arsênio III + V, chumbo, cromo VI, magnésio, metilmercúrio, potássio e titânio;  

Ovo: chumbo;  

Carnes: cromo VI, titânio e bifelinas policloradas (PCBs);  

Vísceras: chumbo e cobre.  

Conclusões 

As substâncias citadas são prejudiciais para a saúde humana e podem causar efeitos à saúde como: morte, alterações no peso corporal, efeitos nos sistemas respiratório, cardiovascular, gastrointestinal, hematológico, musculoesquelético, hepático, renal, dérmico, ocular, endócrino, imunológico, neurológico, reprodutivo, de desenvolvimento, além de outros efeitos não cancerígenos, câncer e lesões no material genético. 

A insegurança do consumo foi verificada em frutas, legumes, grãos, ovos, carnes e vísceras, com presenças nocivas de diferentes metais. As verduras (alface, almeirão, couve, mostarda) e o mel de abelha foram considerados seguros para o consumo humano. 

Além disso, o estudo afirma que as substâncias presentes têm relação com os rejeitos de lama da Barragem de Fundão: “A equipe de perícia concluiu pela existência de nexo de causalidade entre o rompimento da barragem de Fundão e as concentrações das substâncias químicas presentes nos alimentos para: bário (presente em abacate, abacaxi, acerola, banana, cacau, laranja, limão, mamão, melancia, café, feijão e milho); boro (café e feijão); chumbo (limão e maracujá); cobre (café, feijão e fígado de galinha); magnésio (acerola, polpa de coco-verde, laranja, mamão, café e feijão); manganês (abacate, laranja, limão e feijão); níquel (café, feijão e milho); potássio (cana-de açúcar, laranja, café e feijão); titânio (café, feijão, milho e leite de vaca); e zinco (feijão)”. 

2. ESTUDOS DE CONTAMINAÇÃO DE PESCADOS E CRUSTÁCEOS NA FOZ DO RIO DOCE E LITORAL DO ESPÍRITO SANTO 

Em novembro de 2023, o Ministério da Saúde, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e as Secretarias de Saúde do Espírito Santo e de Minas Gerais divulgaram a Nota Técnica Nº 21, que mostra os dados de monitoramento de peixes e crustáceos da parte capixaba do Rio Doce e região litorânea atingida pelo rompimento da barragem de Fundão. O monitoramento foi feito pelo Programa de Monitoramento da Biodiversidade Aquática – Área Ambiental I Porção Capixaba do Rio Doce e Região Costeira e Marinha Adjacente (PMBA). As análises foram realizadas entre 2018 e 2022, pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e Universidade Federal Fluminense (UFF). 

As atividades e procedimentos em campo são vistoriadas pela Câmara Técnica de Conservação e Biodiversidade (CT-Bio) do Comitê Interfederativo (CIF) e as atividades laboratoriais são vistoriadas pela Fundação Espírito-santense de Tecnologia (FEST), assim como pelas empresas Ecology Brasil e WSP, também contratadas pela Fundação Renova. 

O PMBA quantificou nas amostras de peixes e crustáceos coletados os seguintes elementos químicos: Arsênio, Cádmio, Chumbo, Mercúrio e Cobre. 

Quantidade de amostras por grupo de produtos, área de coleta e por substância investigada: 

Fonte: Ministério da Saúde, 2023 

Conclusões 

O estudo comprova que após o rompimento da Barragem de Fundão, peixes, crustáceos e pescados do rio, mar e mangue tiveram grande alteração nos níveis de metais pesados. 

O Ministério da Saúde conclui que o consumo de pescados das regiões monitoradas pelo PMBA apresenta certo grau de risco à saúde humana. Também recomenda que as gestões federais, estaduais e municipais adotem medidas de gerenciamento de risco para as populações que consomem pescado e reforça a necessidade de um plano de comunicação de risco para a população. 

3. COMPARAÇÕES DA PRESENÇA DE METAIS PESADOS EM PESCADOS NO ESPÍRITO SANTO E OUTRAS ÁREAS DO BRASIL 

A pedido das pessoas atingidas de Povoação, outro estudo analisado pela Adai é um Artigo publicado no Jornal de Proteção Ambiental (Estados Unidos) publicado em outubro de 2023, que faz uma análise comparativa de metais no pescado de Áreas Costeiras da região do Rio Doce. 

As pessoas autoras do artigo trabalham para uma empresa multinacional de consultoria ambiental chamada New Fields, não estando vinculadas a nenhuma Instituição de Pesquisa. Entre 2018 e 2020 foram feitas as análises para comparar a concentração de metais em peixes marinhos e crustáceos coletados em diferentes áreas (área da pesca proibida em 2016, foz do rio Jequitinhonha, Reserva Natural de Abrolhos e Mercados de peixes na costa brasileira). 

  • Foram comparados 9 tipos de metais: mercúrio, chumbo, alumínio, arsênio, bário, ferro, manganês, níquel e cádmio. 
  • As espécies de peixe amostradas foram: corvina, peixe-fraco, bagre-marinho e peixe-tambor estrelado (baiacu). 
  • As espécies de crustáceos analisados foram: camarão, caranguejo e lagosta. 

Conclusões 

O peixe-fraco, espécie mais encontrada no litoral do Espírito Santo teve concentrações mais altas para alumínio, arsênio, bário, ferro e manganês em comparação com as outras áreas. Esses metais, porém, segundo a Anvisa, não representavam risco à saúde humana relacionado ao consumo de peixes coletados na bacia do Rio Doce e área marinha afetada pelo evento da Barragem de Fundão. 

O estudo aponta que proibir a pesca é ineficaz para reduzir o risco de contaminação da população relacionado ao consumo do pescado. As ações para lidar com a contaminação pelas substâncias de forma mais efetiva seriam: 

  • Colocar limites nas taxas de consumo do pescado de certas espécies para populações sensíveis (mulheres em idade fértil, grávidas e mulheres lactantes e crianças). Esses limites já são recomendados pela Anvisa. 
  • Reconhecer os benefícios para a saúde do consumo do pescado, o que significa que não consumir o pescado também pode representar uma deficiência nutricional. 

PARTICIPAÇÃO INFORMADA 

É papel das Assessorias Técnicas Independentes, conforme previsto na Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (Lei nº 14.755/2023), orientá-las no processo de participação e busca por justiça nos casos de licenciamento ambiental, ou emergência relativos ao vazamento ou rompimento de barragens – isto é, seja na iminência, ou ocorrência de desastres. Neste processo, acessar informações de qualidade, e em linguagem acessível, é fundamental, pois é ferramenta básica para busca da efetivação de direitos. 

Assim, a Adai seguirá acompanhando e publicando informações relativas aos danos já constatados nos territórios atingidos do Espírito Santo, buscando garantir uma comunicação responsável para com as pessoas atingidas.