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Em decisão de 27 de outubro de 2023, após ação movida por Vale, Samarco e BHP, que contesta o reconhecimento de áreas dos municípios de Fundão, Serra, Aracruz, Linhares, São Mateus e Conceição da Barra, no Espírito Santo, enquanto atingidas, o desembargador Ricardo Machado Rabelo, de forma inesperada e contrária ao que o juiz de primeiro grau havia decidido, suspendeu a validade da Deliberação nº 58 do CIF até a realização de novas perícias.  Cabe destacar que a decisão é tomada às vésperas do marco de oito anos do rompimento da barragem de Fundão, considerado o maior desastre socioecológico da história do Brasil. 
 
Resgate histórico:  

No dia 05 de novembro de 2015 rompia a barragem de Fundão, em Mariana, no Estado de Minas Gerais, que lançou 45 milhões de metros cúbicos de rejeito de mineração na Bacia do Rio Doce e atingiu milhares de pessoas, até o litoral do ES. 
 
Após quase oito anos desde o rompimento, os atingidos e atingidas da bacia do Rio Doce e do Litoral Capixaba relatam que os problemas decorrentes da chegada da lama só aumentaram, assim como a falta de agilidade nas ações judiciais em favor do povo. A decisão que suspende a Deliberação n º 58 é preocupante, pois representa a negativa de que o litoral capixaba foi – e continua sendo – prejudicado pelos rejeitos da lama tóxica que se acumulam nos afluentes, nas bacias hidrográficas adjacentes ao Rio Doce, e no mar. 

Em 31 de março de 2023 o juiz do caso na época, Michael Procópio, determinou que a Samarco, a Vale e a BHP depositassem mais de 10 bilhões de reais, de forma parcelada, em conta judicial para garantir a reparação dos territórios da Deliberação nº 58, que abrange áreas de Conceição da Barra, São Mateus, Linhares, Aracruz, Serra e Fundão. Em razão desta decisão, as empresas entraram com ações próprias para cada município e fizeram depósitos judiciais com valores que elas mesmas estipularam. Em favor dos municípios de Aracruz, São Mateus e Serra foram depositados R$ 7 milhões para cada, R$ 5 milhões para o município de Conceição da Barra e R$ 4 milhões para o município de Fundão.  

Em 17 de outubro de 2023, o juiz atualmente responsável pelo caso, Vinicius Cobucci, determinou que os municípios poderiam receber uma transferência desses valores – o que representou uma vitória histórica para o povo atingido destas áreas, que buscam reconhecimento e respeito pelos seus direitos há anos e com muita luta.  

Mas, em paralelo a isso, as empresas poluidoras também entraram com uma ação que contesta os estudos técnicos que foram utilizados pelo CIF para fundamentar a Deliberação nº 58 com o objetivo de tornar essa deliberação inválida. Este é o pedido que foi aceito pelo desembargador e que suspende o reconhecimento dessas áreas do litoral do ES. Desta decisão cabe ainda recurso.  

No entendimento da Fundação Renova e da Samarco, Vale e BHP, o reconhecimento do litoral capixaba como atingido se deu de maneira equivocada, já que os estudos técnicos que embasaram essa deliberação continham conclusões diferentes dos estudos da Fundação Renova.  

Já para o desembargador, a conclusão a respeito da inclusão de novas áreas atingidas não pode ser baseada em circunstâncias passíveis de dúvida, defendendo que novas perícias técnicas apurariam de maneira certeira e definitiva a questão. Por isso, determinou a suspensão da decisão que conheceu a validade da Deliberação nº 58 até que seja realizada perícia. 

 

Retrocesso 
 
A decisão do desembargador em suspender a validade da Deliberação nº 58 e determinar a realização de perícia pode vir a ser um enorme retrocesso na garantia dos direitos da população atingida do litoral capixaba. Qualquer alteração sobre a deliberação pode vir a ser extremamente prejudicial para a população atingida destas áreas, como perder possibilidade de os municípios utilizarem estes valores para a reparação, e perderem o acesso, que já é restrito, aos programas da Fundação Renova, ou mesmo ao direito à Assessoria Técnica Independente das empresas causadoras dos danos. 

A perícia pode ser uma ferramenta para ajudar compreender melhor o tamanho e a gravidade dos danos nessas áreas. Porém, depois de oito anos do rompimento, dos estudos já realizados que constataram graves danos e riscos de dano nessas áreas, e da evidente queda na qualidade e condições de vida da população, é constrangedora a afirmação de que há dúvidas sobre a existência ou não de danos nesta região. A população atingida sabe dos danos causados porque enfrenta as consequências do desastre diariamente até os dias atuais.  

É necessário aguardar para ter informações mais concretas sobre os efeitos dessa decisão, bem como sobre prazos para determinação da perícia indicada.  

 

Mobilização: pelo reconhecimento das pessoas atingidas das regiões estuarina, costeira e marinha da foz e do litoral capixaba 

Dois pontos fundamentais na discussão da reparação integral dos danos causados pelo desastre são: a centralidade do sofrimento das vítimas e a busca pela garantia de que as pessoas atingidas não passem por uma experiência de violação de direitos similar, ou por um processo de revitimização. Caso a decisão do desembargador de suspender a validade da Deliberação nº 58 seja mantida, a população atingida dessas áreas estará passando novamente pelo processo de ter que revisitar, reafirmar e comprovar que sofre, há oito anos, pela série de danos causados – danos socioambientais, culturais, socioeconômicos, morais, entre outros. 

Quanto tempo e quantos danos mais as pessoas atingidas terão que sofrer para serem reparadas? É tempo de avançar na pauta dos atingidos e atingidas por direitos e, para isso, é preciso que o Judiciário tenha agilidade e conhecimento da realidade das pessoas atingidas. As Instituições do Espírito Santo têm prazo de 30 dias para recorrer da decisão.  

É preciso fazer chegar ao conhecimento das Instituições de Justiça e do Judiciário a insatisfação e o risco de cerceamento de direitos que a população atingida dessas áreas sofre com a recente decisão. A invisibilização dos atingidos e atingidas dessas áreas equivalerá à revitimização pelos danos sofridos, além de impedi-los de acessar qualquer medida reparatória – inclusive, os próprios direitos à informação e à participação.  

Você que é atingido e atingida: o que pensa dessa decisão? Coloque suas reinvindicações no mundo, procure a Assessoria nos territórios e vamos lutar por justiça no processo de reparação integral. Ser reconhecido como atingido e atingida para ter acesso às medidas reparatórias é um direito. E direitos não são perdidos: são conquistados e garantidos. Nenhum direito a menos. 

A Assessoria Técnica das atingidas e dos atingidos da Adai segue acompanhando o processo para garantir que o povo esteja informado.