Audiência_dos_surfitas_LN-ES


“O litoral de Linhares era conhecido por ser um paraíso do surf e passou a ser conhecido por causa da lama da Samarco, da Vale e desse crime que nos acometeu”. 

 
O lamento vem da voz de Hauley Valim, surfista, morador da Vila de Regência, no litoral norte do Espírito Santo, local onde desagua o Rio Doce. 
 
Na tarde da última terça-feira (09), Hauley, representando a associação de surf de Regência,(ASR) acompanhado de Paulo Sérgio Samarçaro, o Paulinho, também surfista atingido, morador de Pontal do Ipiranga e representante da associação de surf local (ASPI), foram recebidos pela Comissão Externa para Fiscalização dos Rompimentos de Barragens e Repactuação, em audiência pública na Câmara dos Deputados, em Brasília, para debater a situação dos esportistas aquáticos atingidos pela lama do rompimento da barragem da Samarco, em Mariana. A audiência pública foi solicitada pelo deputado Hélder Salomão (PT-ES). 

Estiveram presentes, além dos atingidos e representantes das associações de surf de Regência e de Pontal do Ipiranga, representantes do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), dos ministérios do Esporte e do Turismo, da Defensoria Pública do Espírito Santo, do Ministério Público Federal e do Governo do Estado. 

Os atingidos fizeram falas sobre a luta pelo reconhecimento da categoria como atingida. E trouxeram elementos da busca incansável por uma reparação justa e integral. Afinal, estar no mar é um direito.  

Para Hauley Valim, da associação de surf de Regência, enquanto atingido e morador da comunidade: “É preciso olhar para essa categoria com sua devida importância. Hoje o Brasil tem mais de cinco títulos mundiais de surf, a gente tem quatro campões mundiais.  A onda de Regência é considerada uma das dez melhores do Brasil. E tem esse crime ambiental que é drástico, dramático, que atingiu a comunidade e atingiu essa onda, e até hoje a gente não tem o reconhecimento como atingido”.  

São quase oito anos desde o rompimento da barragem de Fundão, e até hoje toda a cadeia produtiva que existia em função do surf, luta por reconhecimento, tirando dinheiro do próprio bolso para participarem de audiências, espaços de diálogo e manifestações, o que agrava ainda mais o sofrimento.  
 
Segundo Hauley,  o rompimento da barragem desencadeou o desmoronamento de toda uma estrutura econômica na Vila de Regência. “Houve uma desestruturação de um organismo saudável e seguro através da contaminação, não só dos nossos corpos e mentes, mas que nos assolou através de uma dúvida, de uma angústia, através da tristeza, depressão, suicídio e morte que pode ser mapeado nas nossas comunidades, e com isso, toda essa cadeia produtiva emergente. As lojas foram fechadas e nossos equipamentos se deterioraram em função do não uso. Nós tivemos empregos perdidos. Temos técnicos, temos juízes e professores de surf, e todo mundo teve a sua renda drasticamente prejudicada”, afirmou. 

Na ocasião foi entregue um documento sistematizado com os apontamentos de toda a situação. O deputado Hélder acolheu a demanda. “Podem contar conosco. Vamos incluir em nosso relatório, a atividade do surfe e toda a cadeia produtiva, que foram duramente impactadas pelo crime ambiental de Mariana, e trabalhar para que elas sejam contempladas na repactuação”, disse.  
 
Paulinho, de Pontal do Ipiranga, lamenta que não possa incentivar a filha no esporte, para que se desenvolva como ele se desenvolveu. “Não tem como continuar com o surf. Eu não tenho coragem de deixar minha própria filha entrar no mar pra surfar. Ela não tá podendo desenvolver no esporte como eu pude, inclusive fui atleta”, pontuou.  
 
Outro ponto que o confunde é a falta de clareza na transmissão das informações na comunidade. “O que me deixa muito preocupado é a deliberação 58. A gente conseguiu, se não me engano, ser reconhecido e em 2020 a gente foi retirado, a gente perdeu a deliberação. Então fica muita dúvida pra todos na sociedade local”. 

Marta Sobral, representante do Ministério do Esporte e a ministra Ana Moser afirma que o Governo Federal está comprometido em atuar para garantir suporte à retomada do surf com segurança.  

O Ministério do esporte tem ciência da retomada gradual das atividades esportivas na região de Regência. É fundamental que essa retomada ocorra com a segurança necessária para garantir a integridade física e emocional de todos os atletas e da comunidade em geral. Tenham certeza de que o Ministério do Esporte está comprometido em contribuir e com todo o apoio necessário para ajudar a reconstruir suas vidas e restabelecer as atividades”, disse. 

O surfista e a surfista mergulham e deslizam sobre as águas, geralmente sobre as ondas do mar, mas, infelizmente, no caso do litoral de Linhares, a atividade vem acontecendo na lama. É também o surfista e a surfista que sentem o gosto, a textura e o cheiro da lama. O defensor público Rafael Portella falou do aprendizado que recebeu ao longo desses sete anos de trabalho na Foz do Rio Doce.  

“Eu aprendi nos meus sete anos atuando no desastre do Rio Doce, que o surf é um termômetro para as instituições, para todos. O surfista, por estar dentro da água pura, é o primeiro a sofrer os impactos dos rejeitos e a alertar as outras categorias, as outras comunidades, a respeito dos efeitos nefastos”, frisou em sua fala. 

Em suma, os surfistas destacaram a urgência pelo reconhecimento da categoria como atingida, pela valorização do esporte e dos profissionais da área, e de toda cadeia a qual o surf está ligado. No Rio ou no mar é direito viver com dignidade. Por uma reparação justa e integral, já!