Fundação Renova, Samarco, Vale e BHP Billiton devem ser responsabilizadas pelo apagamento das mulheres nos processos de reparação. 

No dia 21 de junho de 2024, as Instituições de Justiça (IJ) protocolaram uma Ação Civil Pública contra a Fundação Renova, Samarco, Vale e BHP apontando as inúmeras injustiças que as mulheres atingidas vêm sofrendo por conta da atuação da Fundação Renova na execução dos processos reparatórios, exigindo a responsabilização das empresas.  

As IJ deram luz ao fato de que, ao longo desses nove anos de processo reparatório, as mulheres vêm sofrendo um forte apagamento de sua existência como pessoas atingidas autônomas e detentoras de direitos. O modo como a Fundação Renova conduziu o cadastro das pessoas atingidas para acesso aos programas de reparação colocou as mulheres em um único lugar possível: de dependentes e/ou ajudantes de seus companheiros e familiares

Ao fazer isso, para além de negar a essas mulheres a oportunidade de acesso aos demais programas reparatórios, lhes foi negado principalmente o direito de voz, impedindo que elas mostrassem o que são de verdade: chefes de família, lideranças em seus territórios, trabalhadoras, geradoras de renda, autônomas, singulares e pessoas atingidas possuidoras de seus próprios direitos.  

Era função da Renova estabelecer técnicas afirmativas capazes de impedir a invisibilidade das mulheres no momento do cadastro e, ao contrário disso, ela optou por aplicar uma metodologia de cadastro excludente que até os dias de hoje oprime e revitimiza as mulheres atingidas. Nesse sentido, a ação protocolada pelas IJ aborda as seguintes situações fáticas vivenciadas pelas mulheres: 

  • Invisibilidade das atividades laborais desenvolvidas, prioritariamente, por e para mulheres; 
  • Cadastro das mulheres na figura de dependentes de seus companheiros; 
  • Ausência de participação e informação das mulheres atingidas no cadastro e as consequências disso; 
  • Impossibilidade de revisão ou alteração do cadastro; 
  • Submissão das mulheres à autorização do companheiro para constar suas informações; 
  • Alterações na composição dos núcleos familiares e as consequências disso para acesso as indenizações; 
  • Violência doméstica e de gênero no contexto do desastre; 
  • Danos à saúde física e mental sofridos por mulheres que se viram invisibilizadas, sobrecarregadas e dependentes financeiramente de seus companheiros; e  
  • Ausência de participação das mulheres nos espaços de decisão.  

Os atos discriminatórios praticados durante o processo de reparação, os obstáculos impostos ao acesso das mulheres à justiça e a sobrecarga de atividades que sequer foram consideradas tiveram como consequência a degradação do bem-estar físico, mental e social dessas mulheres, gerando danos que devem ser compensados de forma justa, individual e coletiva. Para tanto, as IJ pediram na Ação Civil Pública (ACP) o seguinte: 

  • O cumprimento da cláusula 28 do TTAC, que fala sobre a atualização, revisão e correção do cadastro de todas as mulheres cadastradas ou com cadastro pendente; 
  • A permissão de acesso ao AFE, PIM, NOVEL a todas as mulheres cadastradas, devendo as informações pendentes serem sanadas para o correto enquadramento da mulher na categoria por ela solicitada;  
  • A realização do pagamento integral, retroativo e atualizado de todas as verbas devidas e não recebidas pelas mulheres atingidas;  
  • Que a Renova, a Samarco, a Vale e a BHP Billiton sejam proibidas de adotar comportamentos discriminatórios contra mulheres que as coloquem em situação de submissão ou dependência, seja perante seu companheiro ou parente, possibilitando que elas possam ter acesso às suas informações e promover quaisquer alterações no respectivo cadastro, de forma direta, autônoma e sem intermediadores ou autorizações; 
  • Que a Renova, a Samarco, a Vale e a BHP Billiton encerrem a discriminação entre titulares e dependentes do cadastro, organizando os dados sob sua responsabilidade de modo que a mulher atingida consulte as suas informações de forma autônoma e independente; 
  • A condenação das empresas ao pagamento de indenização pelos danos materiais individuais causados as mulheres em valor mínimo de R$135.552,00 (cento e trinta e cinco mil, quinhentos e cinquenta e dois reais) para cada mulher atingida
  • A condenação das empresas ao pagamento de indenização pelos danos morais individuais causados às mulheres no valor mínimo de R$36.000,00 (trinta e seis mil reais) para cada mulher atingida
  • A condenação das empresas ao pagamento de indenização pelos danos morais coletivos no valor mínimo de R$3,6 bilhões; 
  • A condenação das empresas ao pagamento de indenização pelos danos sociais no valor mínimo de R$3,6 bilhões; e 
  • Obrigar as empresas a custear e executar nos 42 programas previstos no TTAC ações afirmativas de gênero, com o objetivo de encerrar a discriminação das mulheres no processo de reparação. 

Um ponto de destaque dessa ACP são as falas das mulheres atingidas, que foram de extrema importância para comprovar e dar veracidade aos pedidos feitos pelas IJ, tornando possível que essa ação fosse proposta. Nesse sentido, é importante dizer que a instrumentalização dessas falas só se fez possível por conta do trabalho das atingidas em conjunto com a assessoria técnica.  

A Adai segue acompanhando as discussões no âmbito do processo para garantir que a população atingida esteja informada.